Inimigo Íntimo - parte I

By Kate Goffman
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Jardim do Éden, dia normal a.c; d.m

Caminhavam pés descalços em uma nuvem verde delicada, o céu todo de azul acompanhava. Cabelos longos de cor amarela - tão soltos - roubados do brilho do sol no auge da primavera e todo cantar de pássaro eram para ela quando passeava pela floresta. Sua pele branca de neve derretida mexida com leite e cenouras escurecidas. Sua cabeça altiva, orgulhosa e menina. Ao seu lado um cachorro fiel a acompanhava de longe se notava que de nenhum pouco era solitária. Eva observava abestalhada, antes fosse boba, não se conteve e discreta seguiu aquela imagem branca e amarela, suave e tão bela. Encostado num tronco de coqueiro, Adão adormecia.


O Jardim era extenso, aos poucos Eva o descobria. Seus olhos não perceberam a paisagem que a cobria. Todas as cores que formavam o arco-íris estavam ali despidas, mas ela não se servia. Passado algum tempo chegaram num vale de todo encantado, perto da água corrente agachou-se aquela imagem branco-amarela, menina tão bela, mostrou os olhos verdes para Eva que de leve aproximava-se dela. Juntas sorriram uma para outra. Na verdade, Eva sorriu para si mesma, sejamos sinceras; que pecado irresistível encontrara - pensava ela. A menina por sua vez correu dela; você não me pega - disse com voz doce para Eva. Encostado num tronco de coqueiro, Adão dormia tranquilamente.


O Jardim alongava-se para todas as direções, aos poucos Eva descobria com a luz do dia um mundo novo que, refrescante, surgia. Permitia-se tamanha sensação correndo desimpedida pelo vento - ao que tudo indica o vento era seu maior aliado e logo seria seu maior cúmplice. Seus cabelos estavam soltos como se nunca tivessem se soltado antes, a sua mente sentia-se livre de qualquer pensamento, apenas seus olhos seguiam sem perceber o compromisso com as gramíneas e, claro, com a menina. Onde as gramíneas a levariam pouco importava. Eva não queria perder aquela imagem branco-amarela, que às vezes lhe jogava diretamente aos olhos um verde abacate delicioso. E ainda era dia, infinitamente dia, como se Eva pudesse agora tomar o tempo em suas mãos e segura-lo fortemente. Ela sabia que Adão acordaria somente fosse noite - tornou-se, pois, escravo de todas as maças e como se não bastasse tornou-se ingrato, deixou de contemplar a claridade precursora do nascer do sol, a aurora. Enquanto Eva explorava seu novo momento, encostado num tronco de coqueiro, Adão dormia aquecido e petrificado pelo mesmo sol que séculos mais tarde castigaria seu lombo.


A menina chamava-se Alice, não do País das Maravilhas, mas bem que podia. E ela corria e como corria. Seu passar era de todo suave, de certo sua pele também fosse. Eva não sabia, mas a queria. Queria tocá-la, senti-la, cheirá-la, como se fosse necessário catalogá-la, assim como fazia com todo animal daquele lugar. Se isso era desculpa ou não, não tenho como dizer. Eva era astuta, aprendera desde cedo com a cobra como preparar o melhor bote. Sendo assim, não tinha erro, ela esperou o momento certo para fisgar sua presa. Presa fácil a seu ver. No entanto, Eva não a queria devorar instantaneamente como faria com qualquer outra criatura distinta. Por um breve momento Alice parou na entrada de uma porta feita a galhos de árvore formando um arco sob sua cabeça, logo adiante havia um corredor de plantas o moldando, impossível de descobrir a saída. Alice olhou para Eva e com um gesto mecânico segredou que o silencio fosse feito. Porém, o que chamou atenção foi um segundo gesto, um gesto sensitivo do olhar convidando Eva para segui-la, adentrando num jardim secreto. Eva não deixou a perplexidade tomar lugar e sem muito pensar indicou com o movimento das pernas que havia aceitado aquele convite. Caminharam todo tempo em silêncio até
que elas chegaram ao coração do jardim; eu nasci aqui - disse Alice, como quem conversa para o vento. Eva sem muito entender indagou quem era ela, afinal que tipo de animal era ela; sou para ti a sua imagem, respondeu pausadamente. Eva balbuciou qualquer coisa nos lábios, olhou para cima e para os lados, não gostou. Inusitadamente sentiu inveja pela primeira vez. Desistiu de conhecer sua presa e pôs-se no caminho de volta. Anoitecia repentinamente. Naquela noite Eva não abriria a boca com Adão, nem mesmo para aquilo. Ficou absorta em seu íntimo digerindo o dia.(...)



continua(...)

Juliane Fontana Ribeiro(KG)
 

Sensação Inexplicável

By Kate Goffman
Energia que consome e restaura.
Sobretudo criada a partir do inesperado.
E eu rastejo - suspensa no ar eu perscruto os olhares mais intensos.
Olhares curiosos, atentos, mesmo que aparentemente submersos no tempo.
E eu rastejo - esperando uma fenda se abrir em seu corpo como uma falha que penetra e demarca espaços entre as nuvens, deixando-as belas.
Belos lugares tomados pelo simples gracejar, percorrendo-te o invisível, atravessando sua pele como quem quer findar no infinito um momento singular de prazeres.
E eu rastejo em meio à sombra, minuciosamente alisando o vento sereno que prepara a minha chegada.
Triunfante, em meio à precisão de atingir um alvo apurado.
Pontual, concorrendo a velocidade da luz eu transbordo as emoções mais agudas, mais temidas em sua esfera íntima.
Pois eles são todos vulneráveis a mim, desejando ou não eles os são.
E eu rastejo dentro de você, conhecendo fielmente cada partícula, cada nuance... cada qual sendo combinada e irradiada.
No instante que precede minha presença, tudo mais é vigiado, silenciado.
E num prender de segundos o corpo vibra eloqüente libertando-se aliviado, sentindo-me ardentemente num fechar e abrir de olhos.
E o corpo transpira, num gesto sufocado ele alivia.
Tudo mais é novo e torna-se necessário respirar - viajando em mim - levemente.
Assim mesmo...
Finalmente vivo, vivo, vivo... (eu vivo).

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Juliane Fontana Ribeiro(KG)
 

Suspenderam os Jardins da Babilônia

By Kate Goffman

Não sei ao certo porque isso vem intrigando. Mil raios o partam! Logo agora que completei meus treze anos. Estou sentado, exausto, compartilhando frustrações com o mundo adulto. O que me parece é que sempre contabilizei a idade como os cães. De modo que oscilo entre extremos de vivacidade e melancolia. Sinto-me ávido pelo gosto da aventura, do novo e ao que ainda não foi desperto por outrem. Gosto de catar o mínimo e o escondido onde ninguém mete o nariz. Como se não bastasse, sou de gêmeos - curioso assim mesmo. Por outro lado todo o cenário murcho que assisto através da janela do meu quarto não me é nada satisfatório. Só bastou a imensidão cinzenta estendendo-se até a linha do horizonte e ousando sufocar o plácido sol. Mil raios o partam! Nem sequer salvo meus amigos. Eles são carentes de compreensão e não labutam no mesmo plano que eu. Finjo estar com eles para arrancar um doce sorriso de aceitação de minha mãe, quando na verdade estou em outro mundo. Deveras interessante. Nesse meu labirinto subconsciente tomo regressão a pequenos acontecimentos que impulsionaram minha vida energicamente. Um deles chama-se: o sítio da avó Matilde.

Carinhosamente o chamo como “campos poéticos”, onde o bucolismo sereno e descomprometido invade-me sem permissão. Apenas uma casinha gentil de formas simples e uma varanda toda floreada para suportar o meu sossego. Logo atrás uma única árvore cobrindo o enorme gramado. Num movimento vagaroso sentava-me ao seu pé gracejando o frescor das manhãs ensolaradas. Leve nostalgia ao folhear os livros que trazia em mãos, excepcionalmente cuidados, memorando o que lia e projetando a história para onde estavam descansando meus pés. Diante de mim um mundo se fazia. O quão doce era, entrar naquele casebre aconchegante ao cheiro de café passado na hora, ouvindo o “bom dia” acanhado e delicioso dos velhinhos. Avó Matilde servindo bolo de fubá à mesa, dum pouco cambaleando as pernas, mas sem pressa. Fora sempre muito precisa nos seus movimentos, tão atenciosa, tão gentil com as palavras. Meu avô sempre muito apaziguador, sua presença ganhava facilmente minha admiração. Contava-me histórias da sua época jovial, fora militante. Aprendera muito cedo com os contragostos da vida. E ainda temos a leviandade de achar que os velhos nasceram velhos e estão ali para assistir nosso crescimento. Eles já foram jovens, nesse ou em algum outro lugar, nos braços serenos de algum amor, lealmente acreditando que o estoque de vida era ilimitado.

Eu quero esse estoque para poder chamá-lo de “arsenal do prazer”. Ora por capricho da imaginação, ora por necessidade da paixão. Paixão essa que se faz essencial aos meus devaneios, anseio cada vez mais pelo som expansivo da intensidade. Quão bem trabalhado pode ser ela, servindo-me de desejos extravagantes e ao mesmo tempo misteriosos. É claro que um garoto de treze anos não sabe diferenciar a sutil diferença de uma calcinha na mão com um vinho se deliciando nos lençóis. Porém bem o sabe das sensações inexplicáveis que violam seu corpo. Não exatamente o corpo, algum ponto colado a ele. Quem sabe por intermédio das brincadeiras, das levezas. E foi nessa armadilha que por ventura desejei prender-me.

Carolina, que nas águas límpidas do riacho nos banhamos. Filha do vizinho mais próximo. Trouxe-me flores de boas-vindas e despertou-me o gosto pelo verde que nas altas horas da tarde sob o céu laranja azulado selou-me um beijo adocicado. E macio, como a fruta mais delicada em sua casca e um cheirinho notável de baunilha. Graciosamente bela, comparava-a com a lua e com a escuridão em que me sentia bem. Ao fim da primeira tarde descansamos juntos, aos poucos nos revelamos. No decorrer dos dias eu a queria muito mais. E a queria bem. Tanto que havia esquecido que meu lugar não era ali. Injusto! Novamente a cidade ia corromper os feitos puros do campo, borrando minha vista, empoeirando meu amor para o esquecimento. Não quis, agarrei-me fervorosamente aqueles dias, atentando cada detalhe e cada nuance que transluzia no tempo.

Na noite que precedia minha partida não conseguia dormir. Fiquei desperto escutando a respiração profunda dos velhinhos, enquanto meus olhos fitavam a lua cheia que ainda ganhara de presente. O coração ou quase todo meu corpo palpitava, mal pude conter o entusiasmo. Estava à beira de rasgar um sorriso ao pensar Carolina. Jamais encontrara alguém que pudesse brincar de verdade, sem fingir ou fugir. E fora assim toda semana, compartilhando olhares e segredos. Desde então, a tornei mulher nos meus sonhos. E fico assim, num verbo complicado de esperar. Esperei a vida inteira. Ao menos agora, já sei onde me refugiar. Carolina. Prazer, Eduardo! Que aos treze guardou seu beijo e toda sua essência de menina.

:)

Juliane Fontana Ribeiro(KG)

 

Dar ênfase, suavizando meu termo

By Kate Goffman

Fervorosamente volto a escrever. Não tenho o hábito, mas posso querer. Em verdade estou equacionada às minhas vontades. Livre e sem prepotência. Digna e superficialmente interesseira. Escrevo só para mim, livre e sem pudor. Sem o medo de um sonhador. Quero, pois, escrever-te à velocidade da luz palavras que me atormentam, capazes de embelezar esse meu ser. Desbravando, quero as coisas que promovem a evolução e a salvação da minha alma. Quero, pois, a arte de um sonhador. E como é belo...


Chapter One, de: Lifehouse.