Suspenderam os Jardins da Babilônia

By Kate Goffman

Não sei ao certo porque isso vem intrigando. Mil raios o partam! Logo agora que completei meus treze anos. Estou sentado, exausto, compartilhando frustrações com o mundo adulto. O que me parece é que sempre contabilizei a idade como os cães. De modo que oscilo entre extremos de vivacidade e melancolia. Sinto-me ávido pelo gosto da aventura, do novo e ao que ainda não foi desperto por outrem. Gosto de catar o mínimo e o escondido onde ninguém mete o nariz. Como se não bastasse, sou de gêmeos - curioso assim mesmo. Por outro lado todo o cenário murcho que assisto através da janela do meu quarto não me é nada satisfatório. Só bastou a imensidão cinzenta estendendo-se até a linha do horizonte e ousando sufocar o plácido sol. Mil raios o partam! Nem sequer salvo meus amigos. Eles são carentes de compreensão e não labutam no mesmo plano que eu. Finjo estar com eles para arrancar um doce sorriso de aceitação de minha mãe, quando na verdade estou em outro mundo. Deveras interessante. Nesse meu labirinto subconsciente tomo regressão a pequenos acontecimentos que impulsionaram minha vida energicamente. Um deles chama-se: o sítio da avó Matilde.

Carinhosamente o chamo como “campos poéticos”, onde o bucolismo sereno e descomprometido invade-me sem permissão. Apenas uma casinha gentil de formas simples e uma varanda toda floreada para suportar o meu sossego. Logo atrás uma única árvore cobrindo o enorme gramado. Num movimento vagaroso sentava-me ao seu pé gracejando o frescor das manhãs ensolaradas. Leve nostalgia ao folhear os livros que trazia em mãos, excepcionalmente cuidados, memorando o que lia e projetando a história para onde estavam descansando meus pés. Diante de mim um mundo se fazia. O quão doce era, entrar naquele casebre aconchegante ao cheiro de café passado na hora, ouvindo o “bom dia” acanhado e delicioso dos velhinhos. Avó Matilde servindo bolo de fubá à mesa, dum pouco cambaleando as pernas, mas sem pressa. Fora sempre muito precisa nos seus movimentos, tão atenciosa, tão gentil com as palavras. Meu avô sempre muito apaziguador, sua presença ganhava facilmente minha admiração. Contava-me histórias da sua época jovial, fora militante. Aprendera muito cedo com os contragostos da vida. E ainda temos a leviandade de achar que os velhos nasceram velhos e estão ali para assistir nosso crescimento. Eles já foram jovens, nesse ou em algum outro lugar, nos braços serenos de algum amor, lealmente acreditando que o estoque de vida era ilimitado.

Eu quero esse estoque para poder chamá-lo de “arsenal do prazer”. Ora por capricho da imaginação, ora por necessidade da paixão. Paixão essa que se faz essencial aos meus devaneios, anseio cada vez mais pelo som expansivo da intensidade. Quão bem trabalhado pode ser ela, servindo-me de desejos extravagantes e ao mesmo tempo misteriosos. É claro que um garoto de treze anos não sabe diferenciar a sutil diferença de uma calcinha na mão com um vinho se deliciando nos lençóis. Porém bem o sabe das sensações inexplicáveis que violam seu corpo. Não exatamente o corpo, algum ponto colado a ele. Quem sabe por intermédio das brincadeiras, das levezas. E foi nessa armadilha que por ventura desejei prender-me.

Carolina, que nas águas límpidas do riacho nos banhamos. Filha do vizinho mais próximo. Trouxe-me flores de boas-vindas e despertou-me o gosto pelo verde que nas altas horas da tarde sob o céu laranja azulado selou-me um beijo adocicado. E macio, como a fruta mais delicada em sua casca e um cheirinho notável de baunilha. Graciosamente bela, comparava-a com a lua e com a escuridão em que me sentia bem. Ao fim da primeira tarde descansamos juntos, aos poucos nos revelamos. No decorrer dos dias eu a queria muito mais. E a queria bem. Tanto que havia esquecido que meu lugar não era ali. Injusto! Novamente a cidade ia corromper os feitos puros do campo, borrando minha vista, empoeirando meu amor para o esquecimento. Não quis, agarrei-me fervorosamente aqueles dias, atentando cada detalhe e cada nuance que transluzia no tempo.

Na noite que precedia minha partida não conseguia dormir. Fiquei desperto escutando a respiração profunda dos velhinhos, enquanto meus olhos fitavam a lua cheia que ainda ganhara de presente. O coração ou quase todo meu corpo palpitava, mal pude conter o entusiasmo. Estava à beira de rasgar um sorriso ao pensar Carolina. Jamais encontrara alguém que pudesse brincar de verdade, sem fingir ou fugir. E fora assim toda semana, compartilhando olhares e segredos. Desde então, a tornei mulher nos meus sonhos. E fico assim, num verbo complicado de esperar. Esperei a vida inteira. Ao menos agora, já sei onde me refugiar. Carolina. Prazer, Eduardo! Que aos treze guardou seu beijo e toda sua essência de menina.

:)

Juliane Fontana Ribeiro(KG)